As Três Engrenagens Necessárias para o Sucesso em Projetos de Capital
Jaime Neiva Miranda de Souza1; Luiz Pereira2
1 Instituto Nacional da Propriedade Industrial
Pesquisador em Propriedade industrial – jnsouza@inpi.gov.br
2 Founding Partner
Rethink Management& Innovation.com
Luiz.pereira@rethinkminnovation.com
Resumo – A obtenção do sucesso na condução dos projetos de capital pode ser determinante para a continuidade do negócio. Esse trabalho pretende abordar três aspectos denominados engrenagens sem as quais o sucesso desse tipo de projeto dificilmente é alcançado: gestão de projetos, governança e estratégia. Por fim são discutidas as interações entre essas engrenagens que garantem a eficiência do projeto e a eficácia das estratégias.
Palavras-chave: estratégia, governança, gestão, ciclo de vida do projeto, projeto de capital, portão, gate, FEL, RIBA, CAPEX.
Introdução
Os projetos de investimentos do tipo CAPEX (Capital Expenditures), também chamados de projetos de capital, envolvem a implantação de estruturas físicas e de equipamentos, que representam a parte mais valiosa da entrega final do projeto (Pessoa, 2003, apud Prado, 2014).
A execução de projetos de capital em sistemas organizacionais complexos pode ser dificultada pelas diferenças de visão e de responsabilidade da operação, do business e dos gerentes de projeto diante dos objetivos e da estratégia do negócio, principalmente quando os ciclos de vida são longos.
Muitos casos de fracasso de projetos estão ligados a problemas de falta de aderência entre a estratégia e os requisitos de negócio nas fases pré-projeto, às alterações recorrentes no escopo que causam impactos estruturais no projeto ou a não consideração de requisitos que garantam a ciclo de vida do produto ou do processo criados ou modificados por esse projeto.
Vejamos dois estudos publicados pelo PMI que apresentam fatores que foram caracterizados como determinantes para as falhas em iniciativas da organização em 2016 (PMI, 2016a) e 2017 (PMI, 2017a), respectivamente na visão dos executivos e na visão de profissionais envolvidos em projetos, com resultados resumidos na Figura 1.
Ao comparar as visões desses dois grupos notamos que: (i) ambos consideram que a falta de definições claras e/ou milestones alcançáveis e medição de progresso por meio de objetivos são os principais fatores que explicam as falhas nos empreendimentos, mas para os executivos esse fator recebe menos destaque que se comparado à opinião dos profissionais de projetos; (ii) o grupo de profissionais de projeto considera que a comunicação pobre é o segundo fator de falha; e (iii) os executivos dão maior destaque para a insuficiência de investimentos como falha dos projetos.
Figura 1 – Fatores determinantes para falhas na visão de executivos e de profissionais de projetos
Fonte :PMI
Entendemos que essa diferença de visão é um reflexo do distanciamento entre o board e a gestão de projetos e, por sua vez, o desalinhamento entre os objetivos dos projetos e a estratégia do negócio. Apesar de não serem aprofundados neste artigo, o modelo de contratação e as cláusulas contratuais devem receber atenção por parte da gerência de projetos de capital de modo a atingir o sucesso.
O tipo de contratação escolhido para um projeto, cuja responsabilidade está muitas vezes concentrada no board, também influencia o sucesso do projeto. A escolha da melhor opção depende da disponibilidade de capital, da maturidade da empresa contratante e de escolha pela transferência de riscos entre contratante e contratada. As cláusulas contratuais devem ser construídas para que minimizem os pleitos entre as partes ou, ao menos, que as disputas de pleito possam ser resolvidas com a velocidade compatível com a dinâmica do projeto.
A adoção de boas práticas de contratos como aqueles determinados pelos livros do FIDIC (International Federation of Consulting Engineers) e compatíveis com o ciclo de vida do projeto, podem garantir contratações de alta qualidade.
É relevante destacarmos o conceito de eficiência e eficácia que Russel Ackhoff com muita propriedade aborda em seus livros: “Quanto mais correto fazemos a coisa errada, mais errados nos tornamos. Se cometemos um erro fazendo a coisa errada e o corrigimos, mais errados nos tornamos. Se cometemos um erro fazendo a coisa certa e o corrigimos, mais corretos nos tornamos. Logo, é melhor fazemos a coisa certa de modo errado do que fazermos a coisa errada de modo certo.” (Ackhoff, R., 1999)
Gestão de projetos de capital
Boa Práticas e Metodologias
O Project Management Institute (PMI) possui como propósito o amadurecimento da profissão de gerenciamento de projetos principalmente pela divulgação das boas práticas de gestão de projetos presentes no Guia do Conhecimento em Gerenciamento de Projetos (PMBOK) e pela certificação de cerca de 740.000 Profissionais de Gerenciamento de Projetos (PMP), conforme números do relatório anual de 2016. A adoção das práticas e ferramentas apresentadas no PMBOK pode ser fundamental para a garantia do sucesso dos projetos complexos. Além disso, para tais projetos as empresas muitas vezes adotam como exigência a certificação PMP para construção da sua equipe de gestão do projeto.
O Construction Industry Institute (CII) é um agente que promove boas práticas e tem por objetivo aumentar a efetividade e a sustentabilidade do ciclo de vida de empreendimentos de capital. As boas práticas resumidas pelo CII (CII, 2018) são: empacotamento avançado de trabalho, alinhamento, benchmarking & métricas, gestão de mudanças, construtibilidade, prevenção & resolução de disputas, planejamento front-end, implementação de pesquisa CII, lições aprendidas, gestão de materiais, parcerias, planejamento para modularização, planejamento para startup, avaliação de riscos de projetos, gestão da qualidade, construção de equipes e técnicas de zero acidentes.
O United States Green Building Construction (USGBC) aborda a construção ecologicamente correta e sustentável, além de apresentar um indicador de avaliação de projetos (LEED Rating System).
Ciclos de vida
Para o PMBOK 6a. Edição (PMI, 2017b), o ciclo de vida é a série de fases aos quais o projeto passa do início à conclusão. Essas fases podem ser sequenciais, iterativas ou sobrepostas e os ciclos podem ser preditivos ou adaptativos. O uso de várias fases pode fornecer uma visão melhor para gerenciar o empreendimento, gerando a possibilidade de avaliar o desempenho e tomar medidas corretivas ou preventivas necessárias em fases subsequentes. O ciclo de vida de um projeto genérico pode ser dividido em 4 etapas – ideia, business case, implementação e uso – conforme mostrado na Figura 2.
Figura 2 – Ciclo de vida de um projeto genérico
Autor: Prado (2014)
Os empreendimentos de capital geralmente sofrem uma elaboração em fases sequenciais mantendo uma consistência material, atendendo a diretrizes gerais do empreendimento e dos estudos de viabilidade e aos requisitos das normas a ele aplicáveis (Assalim, 2010).
Adotam-se ciclos de projetos compostos por múltiplas fases de modo a diminuir os riscos, facilitar a obtenção de financiamento, compreender melhor o escopo e mensurar de maneira mais precisa os custos. Essas metodologias de faseamento são caracterizadas pelo uso de portões (gates) que têm como objetivo a tomada da decisão (handover) pelo board.
No PMBOK 6a. edição, os portões são denominados como revisões de fases, quando desempenho e progresso são comparados aos documentos do projeto e de negócio. Como resultado dessa comparação pode-se: prosseguir para a fase seguinte, prosseguir para a fase seguinte com alterações, terminar o projeto, continuar na fase ou repetir a fase. As responsabilidades e os poderes para aprovação de etapas (handover através dos portões, ilustrado na Figura 3) são estabelecidos pela governança e documentados formalmente. É muito recomendável que um portão seja avaliado por uma equipe (comissão) diferente da que executou a etapa anterior. Outro ponto importante é que, a depender da complexidade e dos riscos do projeto, pode-se ou não envolver a alta administração na comissão.
Figura 3 – Os portões entre as fases
Fonte: Autor (2017)
Segundo Prado (2014), a gestão de um projeto de investimento deve garantir que todos os componentes físicos sejam desenvolvidos, construídos e instalados e que a unidade, após a partida, opere normalmente. Portanto, o ciclo do projeto deve ir além de construção e montagem e buscar a sua harmonização com os ciclos de vida dos componentes desse sistema.
Existe um trade-off na seleção do melhor ciclo de vida do projeto, já que o número de fases e a abrangência de seus entregáveis devem ser balanceados de modo a ter um projeto com menor risco, menor custo, maior qualidade e menor prazo, considerando efeitos externos como alinhamento com a estratégia da empresa e as dificuldades enfrentadas pelas interfaces entre diferentes empresas de engenharia e/ou construção.
Há diversas metodologias para esse faseamento, como FEL (Front End Loading) e RIBA Plan of Work do Royal Institute of British Architects (RIBA), ou para determinação da precisão da engenharia de custos (AACE International). A seguir descreveremos alguns exemplos de ciclos de projeto de capital.
Front-End Loading
O termo Front-End é utilizado pela engenharia para se referir aos estágios iniciais de projeto de investimentos, nos quais se procura obter dados para o projeto, tais como, identificação dos produtos a serem produzidos, localização da futura unidade fabril, demanda do mercado, capacidade de produção, características técnicas, estudo de viabilidade etc. (Prado, 2014).
O IPA caracteriza o ciclo de vida de projetos dividindo-o em 3 fases sequenciais de desenvolvimento Front-End Loading (FEL) e as fases de execução e operação (Santos, 2012):
- FEL 1 (análise do negócio): Visa identificar, desenvolver e avaliar a oportunidade de investimento por meio da análise de atratividade do negócio e gerar diferentes alternativas conceituais.
- FEL 2 (seleção da alternativa): Visa selecionar a melhor alternativa conceitual, chegando-se à melhor definição de escopo e dos critérios e restrições para o desenvolvimento do projeto.
- FEL 3 (planejamento da construção): Refina os parâmetros de projeto e alternativas de engenharia definidas nas etapas anteriores preparando o planejamento do projeto para a sua aprovação com relação ao escopo, custos, prazos e parâmetros associados à rentabilidade.
- Execução
- Operação
Conforme descreve Prado (2014), o estudo detalhado ou projeto executivo pode ser executado antes da etapa de execução – quando é necessário obter receita e participação do mercado – ou em paralelo a execução. Aqui no Brasil costuma-se erradamente chamar o projeto executivo de FEL 4, o que é uma incorreção, pois o termo Front-End refere-se ao que vem antes da autorização para execução da obra, que ocorre no portão posterior ao FEL 3.
Segundo Santos (2012), a metodologia FEL está alinhada com os conceitos do PMI, uma vez que as nove áreas de conhecimento do PMBOK estão presentes nos entregáveis de cada fase. Por meio do FEL é possível obter uma definição detalhada de um determinado projeto durante a fase de planejamento, com o objetivo de minimizar os riscos e maximizar o retorno do investidor, tornando-se um instrumento eficiente para a decisão executiva de previsibilidade, responsabilidade, transparência e competitividade.
Cada fase do FEL possui um conjunto claro de produtos associados que precisam ser finalizados para o início da próxima fase. A metodologia baseia-se no processo de validação por fases. Ao final de cada fase o projeto é submetido para aprovação e validação devendo então passar por portões (gates). Esse confronto gera um comprometimento e uma disciplina de verificações periódicas de requisitos de segurança e viabilidade técnica e econômica ao longo das fases de desenvolvimento e execução do empreendimento.
A adoção do conceito Front-End Loading no gerenciamento de projetos de engenharia minimiza o potencial de mudanças de última hora através de um planejamento abrangente e também pode reduzir a probabilidade de acidentes (Santos, 2012).
Outra vantagem desse ciclo de desenvolvimento por fases sequenciais adotado na metodologia FEL é a possibilidade de refinar sucessivamente a análise dos custos do empreendimento. Ao final da FEL 1, a previsão de custos tem um erro de -25% em 40% e no final do FEL 3 obtém-se a consolidação dos principais indicadores de viabilidade do negócio e o erro cai a -10% a 10%.
Petrobras
De acordo com Pereira (2013), a Petrobras adota uma sistemática de gestão que define um ciclo de vida do projeto, aprovação, investimentos e processos, que obedece à seguinte ordem:
- Fase I – Identificação de oportunidade: determinar o valor potencial da oportunidade e seu alinhamento com a estratégia da Companhia. Portão 1: Aprovação da análise empresarial da identificação de oportunidade e autorização para início do projeto conceitual;
- Fase II – Projeto Conceitual: avaliação da(s) alternativa(s) técnica(s) para o projeto. Portão 2: Aprovação da análise empresarial do projeto conceitual e autorização para início do projeto básico;
- Fase III – Projeto Básico (ou pré-executivo): desenvolvimento da alternativa técnica para o projeto. Portão 3: Aprovação da análise empresarial do projeto básico e autorização para execução do projeto;
- Fase IV – Execução: implantação do projeto;
- Fase V – Encerramento: aceitação formal do projeto finalização do investimento e entrega da documentação final.
Conforme descreve Assalim (2010), diversos projetos industriais ou comerciais de alto custo de investimento e de longo ciclo de vida adotam uma fase de pré-detalhamento comumente chamada de Front-End Engineering Design (FEED), que constitui uma das etapas mais importantes para a estimativa de custos de um projeto. Ocorre após o Projeto Básico e contempla uma análise de consistência, que funciona como ferramenta para entendimento e eliminação de dúvidas do projeto básico.
Prossegue com um levantamento de quantitativos de materiais que servirão de base para que a empresa contratante possa visualizar a viabilidade do empreendimento e tomar decisões em tempo para contornar problemas que sejam identificados antes que a próxima fase do projeto (detalhamento) se inicie.
Ainda segundo Assalim (2010), uma prática comumente adotada no campo industrial é a dividir a divisão das atividades relativas à fase FEED em três estágios denominados portões de aprovação e que são denominados FEED 1/FEED 2/FEED 3. Para alguns segmentos, entretanto, pode-se chegar a até oito portões. Para todas as etapas desses estágios, definem-se ações específicas e respectivos critérios de aprovação para passagem de uma fase para outra.
RIBA Plan of Work 2013
Desenvolvido pela primeira vez em 1963, o RIBA Plan of Work é o modelo utilizado no Reino Unido para o processo de construção de edifícios. A sua versão mais recente, RIBA Plan of Work 2013 organiza o processo de briefing, projeto, construção, manutenção, operação e utilização de empreendimento de edifícios dentro de um conjunto de estágios-chave. Vale dizer que dependendo das características do empreendimento, pode haver variações ou sobreposições nesses estágios.
Compreende oito estágios de trabalho e detalha as tarefas e os resultados exigidos em cada etapa, conforme mostrado na Figura 3. Beneficia todos os envolvidos no processo de briefing, projeto, construção e pós-ocupação, permitindo aos usuários criar um plano de trabalho específico para a prática que reflita os métodos de trabalho comuns de sua prática ou produz um plano específico do projeto que possa ser desenvolvido com um cliente para um projeto específico. Detalha as tarefas e saídas necessárias em cada estágio, que podem variar ou se sobrepõem para atender aos requisitos específicos do projeto.
A seguir, são descritos os oitos estágios e seus objetivos principais:
0 – Definição Estratégica: Identificar Business Case e Sumário Estratégico do cliente e outros requisitos principais do projeto
1 – Preparação e Sumário: Desenvolver os objetivos do empreendimento, incluindo objetivos de qualidade e resultados do projeto, aspirações de sustentabilidade, orçamento do empreendimento e outros parâmetros e restrições e desenvolver o Sumário Inicial do Projeto. Realizar estudos de viabilidade e revisar as Informações do Local.
2 – Projeto conceitual: Preparar o projeto conceitual incluindo a definição de propostas para projeto estrutural, sistemas de serviços de construção, definição das especificações, informação preliminar de custos juntamente com a estratégia do projeto em conformidade com o programa do projeto. Acordar alterações para resumir e emitir um relatório final do projeto.
3 – Projeto desenvolvido: Preparar as propostas coordenadas e atualizadas para projeto estrutural, sistemas de serviços de construção, definição das especificações, informação de custos e estratégia do projeto em conformidade com o programa do projeto.
4 – Projeto técnico: Preparar o projeto técnico de acordo com a matriz de responsabilidade e as estratégias do projeto, incluindo todas as informações de arquitetura, estrutura e serviços de construção, especificações e subcontratações
5 – Construção: Manufatura offsite e construção onsite de acordo com o programa de construção. Resolução de dúvidas de projeto conforme forem surgindo.
6 – Entrega e Fechamento: Entrega do edifício e conclusão do contrato.
7 – Em uso: Realizar serviços de acordo com o cronograma de serviços.
O RIBA Plan of Work 2013 possui características que o distinguem de outros ciclos de vida de projetos. Apesar de sua vocação originalmente ser voltada para arquitetura e construção civil, diversas características positivas desse ciclo de projeto podem ser adotadas para diferentes tipos de empreendimento de capital. Sendo assim, este trabalho pretende detalhar algumas virtudes do RIBA Plan of Work nas extremidades do ciclo de vida.
Os estágios de briefing definidos no RIBA Plan of Work 2013 como Definição Estratégica (fase 0), Preparação e Sumário (fase 1) e Em Uso (fase 7) são peças chaves nesse modelo de ciclo de projeto. A utilização da fase 7 pode se dar de duas formas: (i) em novos empreendimentos, a fase 7 é interpretada como uma fase de P&D na qual são buscadas informações no mercado, na literatura e em lições aprendidas obtidas dos arquivos de projetos da empresa contratada ou de outros empreendimentos similares do dono do negócio; e (ii) em empreendimentos existentes, a fase 7 passa a ser descrita pela aquisição de dados no cenário atual do ativo, como, por exemplo, no caso de edifícios pode-se considerar a análise de temperatura, umidade, consumo de energia, luminosidade, quantidade de usuários etc registrados historicamente no BMS (Building Management System).
Não se deve confundir a característica cíclica proposta pelo RIBA com o ciclo PDCA no processo de melhoria contínua. A fase 7 por ser caracterizada pela mensuração dos índices que permitam determinar e acompanhar o custo do uso, pode ser utilizada pela equipe de operação para a proposição de projetos de melhoria. Entretanto, seu enfoque é na execução de melhores projetos de capitais posteriores.
Uma característica muito interessante do RIBA Plan of Work 2013 é o fato dele ser desenvolvido por uma Instituição Governamental com o objetivo de padronizar o ciclo de empreendimentos da construção civil do Reino Unido. Sua utilização não é obrigatória, mas acaba se tornando um diferencial para os profissionais que o adotam.
A proximidade do governo levou a inclusão de uma barra de tarefa indicando a exigência de troca de informação com o governo nas fases 1, 2, 3 e 6. Mais recentemente, abril de 2016, muito provavelmente motivado pela RIBA Plan of Work 2013, o governo do Reino Unido tornou obrigatório para edifícios públicos com mais de 2000 m² de área construída: adoção de BIM (Building Information Management); adoção de requisitos de soft landing; adoção de mecanismos de avaliação pós-ocupação (POE, Post Ocuppancy Evaluation).
Isso implica na obrigatoriedade de atender às práticas destacadas nas fases 6 e 7 do RIBA Plan of Work 2013.
Governança em Projetos de Capital
As organizações devem ter uma estrutura clara de governança para fornecer direcionamento e esclarecer os limites de alçada de decisão, para habilitar a eficácia e a eficiência dos projetos de capital.
A importância da definição dos papéis e responsabilidades nas tomadas de decisão em projetos de capital assumem uma responsabilidade ainda maior pelos custos muito elevados de tais empreendimentos.
A governança no nível de projetos pode ser definida como um framework, funções e processos que guiam as atividades de gerenciamento de projetos de modo a criar um produto único, serviço ou resultado e atende à estratégia organizacional e aos objetivos operacionais (PMI, 2016b). Para o PMI, a governança é O QUE – tomada de decisões, orientações, supervisão e garantia – e o gerenciamento é o COMO – organização e execução.
A governança em projetos aplica uma abordagem disciplinada e aumenta as oportunidades de sucesso por meio de: (i) envolvimento do comitê de governança e do patrocinador pela fiscalização e tomada de decisão no projeto, garantindo que o processo de aprovação nos portões seja cumprido, o alinhamento estratégico seja mantido e os riscos revisados e mitigados; (ii) fornecimento da experiência funcional; (iii) empoderamento do patrocinador e do comitê de governança;
Implementação da gestão de mudança organizacional.
É necessário haver uma cultura organizacional pautada pela governança que define de forma clara e transparente através de documentos, normas e procedimentos quem aprova o que e quando. A definição das políticas de governança da empresa é responsabilidade da gerência executiva e pode ser o principal aliado para que sejam evitados desvios de conduta.
Estratégia em Projetos de Capital
Antes de começarmos a falar de estratégia, vale a pena revisitar as clássicas definições de Philip Kotler: a missão é a razão de ser da empresa; a visão é uma espécie de “sonho impossível” que fornece à empresa direcionamento para os próximos 10 a 20 anos; e os valores são o que é preciso que os integrantes da organização se apoiem para cumprir a missão da empresa e realizar o sonho de uma visão futura.
Para Peter Drucker, o board das empresas precisa definir a missão respondendo as cinco perguntas: Qual é o nosso negócio? Quem é o cliente? O que tem valor para o cliente? Qual será nosso negócio? Como deveria ser nosso negócio?
A estratégia de negócios é construída pelo board por meio de ferramentas clássicas como a análise SWOT, a Matriz de Porter, a Matriz BCG e a Matriz de Ansoff, e mais recentemente o BSC. Podemos destacar a Matriz de Porter que permite identificar o posicionamento dentre os três diferentes objetivos estratégicos – diferenciação, foco ou liderança em custos – por meio da comparação entre as vantagens estratégicas e os objetivos estratégicos.
Mintzberg (1994) apresenta três conceitos que compõem a estratégia empresarial: (i) programação estratégica é a articulação e a elaboração de estratégias ou visões do negócio; (ii) planejamento estratégico trata da análise, ou seja, o desmembramento dos objetivos ou conjunto de intenções em etapas, formalizando essas etapas para que possam ser implementadas quase que automaticamente, e articulando as consequências ou resultados antecipados de cada etapa; e (iii) pensamento estratégico trata da síntese, ou seja, envolve intuição e criatividade de modo a gerar uma perspectiva integrada da empresa.
Mintzberg et al. (2006) define estratégia como sendo criação de um ajuste entre as atividades de uma empresa cujo sucesso depende de fazer bem várias coisas – e não apenas algumas – e da integração entre elas. A falta de um ajuste entre as atividades inibe a diferenciação e gera baixa sustentabilidade, fazendo com que a gerência se volte para a tarefa mais simples de supervisionar os departamentos independentes.
A materialização de estratégias de negócio demanda a execução de projetos. É por meio de projetos que se pode concretizar a diversificação de produtos ou serviços do portfólio, ampliar o número de clientes atendidos pelo aumento da capacidade produtiva, permitir atacar uma nova classe de consumidores pela modificação do processo de produção para obtenção de produtos com maior qualidade e/ou maior valor agregado. Por outro lado, o sucesso dos projetos depende de uma estratégia corretamente definida.
Ainda para Mintzberg et al. (2006), a eficácia operacional significa desempenhar atividades similares melhor do que os rivais, utilizando práticas que permitam a uma empresa utilizar melhor seus recursos. Tais práticas variam de empresa para empresa e envolvem emprego de tecnologia, motivação dos empregados, habilidades de gerenciamento etc.
Mintzberg et al. (2006) tratam também do conceito de fronteira de produtividade que consiste do melhor resultado de uma empresa utilizando as melhores tecnologias, habilidades, técnicas gerenciais e matérias-primas disponíveis. Quando duas empresas concorrem em eficácia operacional (i) o desempenho avança na direção da fronteira, mas não é gerada uma melhoria relativa, (ii) a medida que os rivais imitam uns aos outros, todos seguem caminhos idênticos em que ninguém pode vencer (convergência competitiva) e (iii) potencializa o fenômeno de fusão conduzida por pressões de desempenho.
Considere na Figura 4 as empresas A e B que em um dado momento apresentam para um investimento inicial diferentes produtividades. A empresa A atinge um mesmo patamar de produtividade sobre a fronteira de produtividade para uma determinada estratégia (A*), a empresa B requer um investimento maior, porém, atinge também o patamar da estratégia 2 (B*). Em um segundo momento a empresa A resolve desenvolver um projeto de capital e implanta uma nova unidade com uma tecnologia mais moderna que permite alcançar então uma nova fronteira de produtividade (A**). A empresa B promove um projeto de melhoria operacional que não foi suficiente para promover uma maior produtividade comparável com A, gerando inclusive uma queda que pode ter ocorrido por defasagem tecnológica (B**). Ao analisar separadamente os projetos, poderíamos concluir que ambos podem ter gerado o aumento de produtividade definidos no início do empreendimento, mas em termos estratégicos o projeto da empresa A permitiu um salto de competitividade.
Figura 4 – Competição, eficácia operacional e estratégia
Autor: Mintzberg, (1994)
A estratégia competitiva tem uma visão sistêmica e discorre sobre combinar atividades, enquanto a eficácia operacional busca atingir excelência em atividades individuais ou funções.
A visão não está disponível para aqueles que não podem “ver” com seus próprios olhos. Os estrategistas reais ficam sujos a cavar ideias, e estratégias reais são construídas a partir de nuggets ocasionais que descobrem. Não são pessoas que se abstraem dos detalhes diários; são eles que se imergem neles, enquanto são capazes de abstrair as mensagens estratégicas deles. A imagem grande é pintada com pequenos traços.
As organizações fazem uso limitado da gama de abordagens para desenvolver o pensamento estratégico, muitos indiretamente apoiando seu desenvolvimento através de programas de liderança geral. A maioria das abordagens são experienciais e focadas em elites. O uso da literatura, a avaliação e os laços com os modelos de competência são muito limitados. (Goldman et al., 2015)
Estratégia e projetos
O PMBOK 6a. Edição (PMI, 2017b) manteve a descrição de projeto como “um esforço temporário empreendido para criar um produto, serviço ou resultado único”. Entretanto, a mesma seção que apresenta essa descrição também destaca que os projetos impulsionam mudanças nas organizações, destinando-se a mover a organização de um estado para o outro visando o aumento do valor do negócio. Em outras palavras, o projeto é o agente viabilizador das estratégias do negócio.
A estratégia em projetos muitas vezes se concentra na definição de abordagens para contornar impactos nos objetivos organizacionais frente aos desvios de prazo, custo, qualidade, escopo e demais dimensões dos projetos e, vice-versa.
Muitas vezes a atenção dos estrategistas se foca na visão dos impactos dos projetos e deixa de avaliar o efeito das mudanças nas estratégias das empresas sobre os projetos em andamento. Muitas vezes um projeto de capital tem um período de desenvolvimento que transpassa eventos de formulação estratégica, o que deveria exigir revisões nos seus objetivos antes de se passar pelo portão de aprovado para construção. Por outro lado, após iniciada a construção, uma reformulação estratégica que venha a exigir a parada de uma obra deve ser muito bem validada por estudos econômicos.
Os pilares da estratégia de negócios definidos por Kotler como missão, visão e valores, já descritos no item anterior, assumem vital importância para a garantia do projeto. É sabido que projetos envolvem muitas partes interessadas, que podem não estar diretamente alinhadas com as estratégias do negócio, fato esse muito mais crítico no caso de projetos de capital que envolvem diferentes empresas. As visões da empresa dona do negócio (contratante) e da empresa contratada podem ser um fator determinante para o sucesso do negócio.
Existem diversas formas de evitar tal conflito, como a construção de um contrato robusto e a definição de comitê de resolução de conflitos, entretanto vamos concentrar nossa análise na adoção de boas práticas para o estabelecimento do ciclo de vida do projeto.
Sucesso em projetos de capital
Como descrito anteriormente, os projetos de capital constituem um sistema complexo que envolve diversos atores, várias contratações, têm relação direta com os objetivos estratégicos do negócio, envolvem muitos recursos financeiros e possuem marcos com prazos longos que podem transpassar vários planejamentos estratégicos anuais.
A escolha do ciclo de vida do projeto é importante, mas não é fundamental. Conforme descrevemos anteriormente, há várias opções e cada uma tem vantagens e desvantagens. A estrutura padrão de gates se mostra fundamental para o sucesso de projetos de capital, mas não basta existirem os gates, estes devem ser devidamente utilizados e aprovados por quem possuir responsabilidade definida pela governança do projeto tendo seus resultados alinhados com a estratégia do negócio.
O ciclo de vida do projeto só será eficiente (fazer a coisa do jeito certo) se a gestão de projetos estiver atendendo às normas determinadas pela governança e só será eficaz (fazer a coisa certa) se a estratégia estiver correta e os objetivos do projeto estiverem alinhados com a estratégia do negócio mesmo que essa estratégia venha a ser ajustada ao longo do ciclo de vida.
A experiência tem mostrado que o sucesso desses projetos requer balanceamento e coreografia de três engrenagens – estratégia, gestão e governança – conforme mostra a figura a seguir:
Figura 5 – As dimensões que definem o sucesso em projetos de capital
Fonte : O próprio (2017)
Nos capítulos anteriores tratamos das engrenagens separadamente e agora pretendemos mostrar suas interações.
Interação entre estratégia e gestão de projetos
A estratégia e a gestão de projetos se relacionam da seguinte forma:
- O board define as metas, as visões e os objetivos do negócio;
- A gestão de projetos alinha os objetivos do projeto e as metas estratégicas;
- A gestão de projetos deve definir o ciclo de vida do projeto que melhor se adapte às metas estratégicas;
- A gestão de projetos comunica resultados dos projetos ao longo de sua execução;
- O board acompanha as necessidades dos clientes, as manobras dos concorrentes e os modelos de negócio dos entrantes; e
- No caso de revisão da estratégia, o board deve reavaliar os objetivos dos projetos em andamento para propor alterações ou mesmo julgar se o projeto deve continuar em função de uma análise de retorno do investimento.
No caso de projetos de capital, todas essas configurações de interações entre estratégia de negócios e gerenciamento de projetos podem ser aplicáveis. No entanto, o grande número de stakeholders dificulta a adoção de processos e organizações flexíveis sob as regras definidas e supervisionadas pela governança.
A empresa cujo board não olha o negócio ou não tem a capacidade de construir uma estratégia adequada acaba sendo ultrapassada por concorrentes cuja visão tem maior significado para seus clientes e cujo plano operacional está mais alinhado com as metas organizacionais e, consequentemente, é capaz de definir quais e quando os projetos devem ser executados.
A estratégia não é um segredo de negócio, uma empresa com planejamento estratégico não é aquela que reúne seu board anualmente para pensar na missão, na visão e nos valores e, muito menos, tem a estratégia difundida quando fixa quadros informativos destacando a missão, a visão e os valores.
Uma empresa com estratégia é aquela em que os seus projetos têm objetivos alinhados com as metas organizacionais e são conjuntamente avaliados quando ocorrem desvios no projeto ou alterações de rumos (objetivos estratégicos) da empresa, principalmente em se tratando de projetos de capital.
Interação entre gestão de projetos e governança
A governança e a gestão de projetos se relacionam da seguinte forma:
- A governança estabelece poderes e responsabilidades de aprovação das fases do projeto dentro do tipo de ciclo de vida selecionado para o projeto;
- A governança define padrões de documentação, normatizações e especifica controles que devem ser atendidos pela gestão de projetos;
- A gestão de projetos mantém a conformidade de sua atuação atendendo aos padrões e normas estabelecidos pela governança;
- A governança supervisiona e fornece a garantia de que conformidade da gestão de projetos.
Interação entre governança e estratégia
É comum ouvirmos que a estratégia da empresa não está sendo construída de forma adequada porque o board não possui capacidade de decisão compatível com o negócio. Também são frequentes as desculpas de que o board não possui a assessoria competente para viabilizar decisões eficazes.
Nesse ponto, um comitê de governança que possua independência e empoderamento para tal deve atuar identificando perfis ou comportamentos inadequados do board da empresa.
A governança e a estratégia se relacionam da seguinte forma:
- O board delega a competência ao comitê de governança para que ele possa atuar na supervisão e no estabelecimento dos padrões e das normas organizacionais;
- A governança estabelece poderes e responsabilidades de construção da estratégia do negócio;
- A governança define padrões de documentação, normatizações e especifica controles que devem ser atendidos pelas camadas de assessoria do board;
- A governança supervisiona e fornece a garantia de que conformidade do processo construção da estratégia do negócio; e
- A governança dá suporte à estratégia quando é necessário realizar uma mudança no negócio.
Conclusões
Esse trabalho buscou abordar o projeto de capital com o foco em fatores que os autores consideram obrigatórios para que se possa chegar ao sucesso no sentido da eficácia. Omitimos propositalmente a quarta e principal engrenagem, vital para TODO projeto, que são as pessoas e o relacionamento intrapessoal que compõem o motor desse sistema complexo.
Vale a pena exercitar o seguinte cenário: um gerente de projetos experiente com certificação PMP acaba de ser convidado para gerenciar um grande projeto de capital no Brasil. Sugerimos que o primeiro passo desse GP seria obter as respostas para as seguintes perguntas:
Qual o posicionamento da nossa organização dentro do seu mercado de atuação?
Onde o board pretende chegar e em quanto tempo?
Quanto de valor do negócio meu projeto estará contribuindo para esse salto?
Quais são as normas, padrões e procedimentos estabelecidos pela governança da empresa para a execução de projetos de capital nessa empresa?
Não é suficiente para o sucesso de projetos de capital haver governança, estratégia e gestão de projetos.
O que se afirma nesse artigo é que um projeto de capital que não considera tais articulações provavelmente incorrerá em insucesso. A máquina do projeto de capital só funciona se as três engrenagens estiverem em perfeita operação.
Se a estratégia não for boa, se o board é incapaz de tomar decisões eficazes, se a gerência não consegue garantir a eficiência e se a governança não dá a garantia de que os diversos envolvidos estão atuando conforme as regras do jogo, se a governança não detecta que os portões de um ciclo de vida de projeto receberam a aprovação dos que têm tal empoderamento, dificilmente chega-se ao sucesso em projetos de capital.
Referências
- Ackhoff, R. Ackoff’s Best: His Classic Writings on Management. Willey: 1a. edição, 1999.
- Assalim, L. Avaliação da conformidade como ferramenta de aprendizagem organizacional em projetos de engenharia de grandes empreendimentos. Dissertação (mestrado), PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2010.
- CII. Knowledge Base: Best Practices. Disponível em http://www.construction-institute.org/resources/knowledgebase/best-practices. Acessada em 2018.
- Mintzberg, H.The Fall and Rise of Strategic Planning. Harvard Business Review, 1994.
- Goldman, E.; Scott, A.; Follman, J.Organizational practices to develop strategic thinking. Journal of Strategy and Management, 8 (2), pp.155-175 (2015).
- Mintzberg, H.; Lampel, J.; Quinn, J.; Ghoshal, S. O processo da estratégia: conceitos, contextos e casos selecionados. 4a.ed. 2006.
- PMI, Governance of Portfolios, Programs, and Projects: A Practice Guide. Project Management Institute, 2016b.
- PMI, PMI Thought Leadership Series. Strengthening benefits awareness in the C-suite, 2016a.
- PMI. Success Rates Rise: Transforming the high cost of low performance, 2017a.
- PMI. A Guide to the Project Management Body of Knowledge (PMBOK® Guide), 6a Edição, 2017b.
- Pessoa, S. Gerenciamento de Empreendimentos. Florianópolis: Insular, 2003.
- Pereira, L. Metodologias de Gestão de Projetos Complexos: Estudo Sobre sua Aplicabilidade na Petrobras. Dissertação (mestrado), PUC-RJ, 2013.
- Prado, D. Gerenciamento de projetos de capital: para expansão da capacidade produtiva. São Paulo: Editora Falconi, 2014.
- Santos, M. Ferramenta de Análise de Riscos em Projetos de Capital Considerando Conceitos de Confiabilidade Humana e Engenharia de Resiliência. Dissertação (mestrado), UFRJ, Escola Politécnica e Escola de Química. Programa de Engenharia Ambiental, Rio de Janeiro, 2012.
- Svejvig, P.; Andersen, P. International Journal of Project Management, 33, p. 278-290 (2015).