Carlos Ronald de P.Chaves; Autor #n 1
Gerente de Projetos ronald_chaves_81@hotmail.com
Luiz Pereira Nunes Junior; Autor #n 2
Rethink Management & Innovation
Senior Managing Director – luiz.pereira@rethinkminnovation.com
Resumo – No contexto dos grandes eventos esportivos internacionais, a celebração do esporte é sem dúvida o ápice. Porém, não raro, grandes transformações sociais, econômicas e estruturais são necessárias para levar a cabo a sua realização. Estas iniciativas, traduzidas em projetos e programas, são comumente destacadas ao fim como o legado que permanecerá no período pós-Jogos. Mas será que o sucesso indiscutível destas iniciativas temporárias é suficiente para garantir o sucesso do seu legado? O desafio da gestão de portfólio no contexto dos eventos esportivos será o de vislumbrar não apenas o escopo e o esforço necessário para realização do evento, mas também os objetivos estratégicos, o atendimento aos requisitos e os benefícios esperados durante os anos pos-implementação dos projetos, de forma a garantir que as transformações anunciadas sejam implementadas com sucesso e os investimentos convertidos em legado definitivo e não apenas temporário.
Sucesso entende-se como a entrega do escopo e dos requisitos no prazo, no custo, na qualidade e atendendo as expectativas dos stakeholders.
Valor público é, segundo Moore (2003), a atribuição de valor constituído pelo público beneficiário ao receber do poder público uma espécie de retorno sobre o “investimento”, (impostos pagos) pelo cidadão.
Segundo o PMBOOK (PMI,2014,p.15-16), o Business está relacionado à todas as atividades desenvolvidas pelas organizações. Os objetivos do Business são alcançados através da definição do planejamento estratégico e seu alinhamento com o gerenciamento de programas, portfólios e projetos implementados.
Palavras-chave: escopo, stakeholders, legado, sucesso, business, valor público.
Introdução
Planejar e realizar um grande evento esportivo internacional como a Copa do Mundo de Futebol FIFA e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos representa um desafio enorme para o país e a cidade sede.
Algumas das transformações sociais, incrementos estruturais e compromissos, fazem parte até mesmo do documento de candidatura endossado internamente por importantes apoiadores e patrocinadores e apresentado à comunidade internacional, atestando todos os benefícios, além do esportivo, para o país. É comum que todos estes benefícios sejam traduzidos para a linguagem de projetos e programas, constituindo desta forma o portfólio que baseia a candidatura do país ou da cidade –sede.
Nos últimos anos tornou-se recorrente, em especial na mídia, o uso do termo “legado”, designando os benefícios permanentes para a sociedade como um todo, dos esforços para realização dos eventos esportivos.
Não é difícil perceber que a oportunidade de sediar um evento esportivo internacional influencia sobremaneira as diretrizes estratégicas locais e regionais, catalisando, através do interesse politico e do investimento público-privado, a execução de iniciativas até então paralisadas ou postergadas mediante as prioridades da administração.
A discussão, porém, deverá focar nos indicadores de sucesso definidos no plano estratégico (business) prevendo ações corretivas no intuito de obter o melhor do evento, não apenas em termos esportivos ou visibilidade momentanea, mas, além disso, aproveitar a oportunidade para acelerar a entrega de valor público para a sociedade.
Neste contexto, a abordagem que pretendemos discutir é de que maneira o engajamento do gerente de projetos ainda na fase de definição estratégica do negócio poderia contribuir não só para o sucesso dos projetos mas como ser determinante para a elencagem das alternativas estratégicas com maior potencial de sucesso e maiores benefícios do portfólio no período pós-implantação.
Contexto
A APO e a Matriz de Rsponsabilidades dos Jogos Rio 2016
Em 2011 foi criado um consórcio formado pelos governos Federal, Estadual e Municipal como garantia dada ao Comitê Olimpico Internacional com o objetivo de coordenar o planejamento e execução dos projetos inseridos no ambito dos JogosOlímpicos Rio 2016. Este consórcio foi nomeado como Autoridade Pública Olímpica (APO) e uma das suas primeiras atribuições foi elaborar um documento denominado Matriz de Responsabilidades para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 (APO, 2014).
Cabe ressaltar que o documento, como prevê o nome, define uma metodologia para atribuição de responsabilidades dos entes governamentais perante os diversos projetos que compunham o portfolio Olímpico. A Matriz apresenta ainda uma escala de maturidade denominada “Critérios de Maturidade dos Projetos”, na qual forma listados 06 critérios de maturidade, conforme figura 01 abaixo:
Figura 01. Critérios de Maturidades dos Projetos. Fonte:APO, 2014
Percebe-se que os critérios elencados de 1 a 6 se referem às etapas de execução dos projetos, desde a fase conceitual até o projeto entregue para operação. Conforme definido na metodologia e no desdobramento das etapas do projeto, as fases 1, 2 e 3 deveriam ter a definição do finalizada de business, estratégia, escopo e requisitos, alinhado a todas as metodologias possíveis.
A Gestão de Portfólios segundo o PMBOK
O PMBOK (PMI, 2014) define portfolio como os “projetos, programas, subportfólios e operações gerenciados como um grupo para atingir objetivos estratégicos”. Os projetos são meios pelos quais as organizações buscam alcançar os seus objetivos estratégicos.
O PMI (2014) complementa ainda que “embora um grupo de projetos em um programa possa ter benefícios distintos, ele também pode contribuir para os benefícios do programa, para os objetivos do portfolio, e para o plano estratégico da organização”.
O Ciclo de Vida dos Projetos segundo o PMI
O guia PMBOK (PMI,2014) define o ciclo de vida do projeto como uma “série de fases pelas quais um projeto passa, do início ao término”. É preciso entender que os projetos, desde os mais simples aos mais complexos, são divididos em fases ou etapas, ou seja, em intervalos de tempo que marcam uma entrega específica do projeto, seja um documento, um produto ou um serviço.
Ainda segundo o PMBOK (PMI,2014), os ciclos de vida de um projeto podem ser estruturados de forma genérica conforme a figura 02 abaixo:
Figura 02. Estrutura genérica do Ciclo de Vida dos Projetos. Fonte: PMBOK, 2014.
Os ciclos de vida do projeto podem ser preditivos ou adaptativos. No caso dos preditivos, o produto do projeto e toda a sequência de execução é definida anteriormente ao início do projeto. Já no adaptativo, o escopo vai sendo aperfeiçoado conforme as iterações vão ocorrendo ao longo da execução.
O ciclo de vida do projeto, conforme vemos na figura acima, é composto de uma fase inicial e uma fase de encerramento com algumas fases intermediárias.
As Metodologias FEL e RIBA e suas lições estratégicas em grandes projetos
Projetos de capitais, como aqueles desenvolvidos no programa olímpico, tendem a sofrer com grandes desvios nos custos finais e desalinhamento dos benefícios esperados diante das estratégias previamente estabelecidas. De forma a minimizar estas incertezas, a indústria vem recorrendo cada vez mais para o emprego da metodologia FEL nas fases de definição do negócio e avaliação da estratégia.
Projetos de capital, segundo Vasconcelos et al (2010), devido ao seu tamanho e importância estratégica, tendem a ter um grande impacto nas companhias que os desenvolvem. Ainda segundo o autor, os projetos de capital podem ser de 03 tipos:
- Prover incrementos de capacidade à uma cadeia logística integrada;
- Requerem aprovação especializada para segir para fase de construção;
- Impactam profundamente (social e economicamente / direta e indiretamente) a região onde são desenvolvidos
A metodologia FEL (Front-End-Loading) baseia-se na no conceito de “Gates” (Portões), os quais dividem o FEL em 3 etapas: FEL 1, FEL 2 e FEL 3. Cada etapa representa para a organização, uma oportunidade de revisão e lapidação das estratégias de negócio do projeto e associa o avançao à etapa subsequente com a devida aprovação, por um board especializado da companhia, dos estudos, avaliações e produtos entregáveis referentes a cada etapa.
A figura 03 abaixo, exemplifica a estrutura de divisão do FEL em etapas e o conceito de “Gates”, como mencionado:
Figura 03. FEL metodolgia – Etapas e Portões. Fonte: Vasconcelos, 2010
Romero et al. (2009, p.16) afirma que o objetivo da etapa FEL 1 “é desenvolver e avaliar a oportunidade de investimento e atratividade do negócio, ou seja, criar valor, analisando e identificando as oportunidades por meio da análise de negócio”. O autor acrescenta, ainda, que nesta etapa “é verificada a aderência do projeto à estratégia de empresa (…)”
Já na etapa FEL 2 os seguintes aspectos são analisados: “estruturação da equipe, estudo completo das alternativas, (…), projeto conceitual de engenharia, (…), e o detalhamento e impactos da alternativa selecionada.” (ROMERO ET AL, 2009, p.16)”
Romero et al.(2009, p.16), para finalizar, propõe que na etapa FEL 3 “o objetivo é o desenvolvimento do projeto básico e o planejamento da fase de execução, onde as atenções estão voltadas aos estudos mais detalhados para a definição completa do escopo do empreendimento”
Logo, ao passo que as atividades vão sendo cumpridas e os produtos de cada etapa estão prontos, o “Portão” representa o momento em que uma decisão deve ser tomada pelo board especializado da organização de forma a permitir ou a maturação das idéias e dos produtos nas fases seguintes ou a sua reavaliação e aperfeiçoamento na etapa atual. Existe ainda a possibilidade de abandono da idéia e dos produtos por completo, conforme figura 04 abaixo:
Figura 04. Decisões possíveis no Portão. Fonte: Romero et al., 2009
Saputelli et al.(2008) afirma que a multidisciplinaridade estimulada pela metodologia, trazendo para a discussão estratégica a participação da equipe de projeto, fornece a oportunidade para os executivos de repensar aspectos do projeto anteriormente à sua implementação, minimizando a probabilidade de riscos e altos custos nas fases finais do projeto.
Logo, podemos sugerir que a dimensão desta interação pode ser refletida de forma ainda nais contundente nos critérios de aceitação para tomada de decisão nos “Portões”, de acordo com a figura 05 abaixo:
Figura 05. Perguntas Importantes nos “Portões”. Fonte: Romero et al., 2009
RIBA é uma sigla em inglês para Royal Institute of British Architects (Instituto Real de Arquitetos Britânicos, em tradução livre), que foi fundado em 1834 com a função de disseminar melhores práticas de planejamento e execução de projetos de construção no Reino Unido.
O RIBA é o responsável pela publicação do documento Plan of Work (RIBA, 2013), cujo objetivoé organizar o processo de projetos, desde a definição do Business Case até a operação, passando pelo desenvolvimento dos documentos técnicos e o processo de construção. O RIBA Plan of Work 2013 é a publicação mais recente e sugere a divisão do processo de design em 08 estágios (0 à 7),os quais são descritos na figura 06 abaixo:
Figura 06. Estágios do RIBA. Fonte: RIBA
O documento Plan of Work vem sendo desenvolvido pelo RIBA desde 1963, com a intenção de padronizar o processo de design e construção na indústria da Arquitetura e Engenharia, refletindo as demandas da sociedade e da relação cliente x arquitetos / engenheiros / consultores a cada nova atualização.
A versão 2013 do Plan of Work, em detrimento da versão 2007, revolucionou ao nomear os estágios por números sequenciais ao passo que a anterior utilizava letras (de A a L). A motivação para esta alteração, segundo o próprio RIBA, era cortar qualquer correspondência lógica entre uma e outra.
Desta atualização é possível notar 2 importantes alterações conceituais com base no documento anterior: A inclusão do estágio 0 – Strategic Definition – , que segundo definição do RIBA “Identifica o Business Case dos clientes e o Strategic Brief, além de outros requisitos chave do projeto”.
Por outro lado, a segunda alteração corresponde à outra adição, neste caso do novo estágio 7 – In Use – que “Inclui avaliação de pós-ocupação e revisão da performance do projeto, assim como outras atividades a serem executadas durante o período de operação do edifício”. A figura 07 abaixo traça um comparativo entre o RIBA Plan of Work 2013 e 2007:
Figura 07. Comparação entre Plan of Work 2007 e 2013. Fonte: Adaptado de [1]
A definição estratégica, nesta nova edição compreendida no novo estágio 0, vem responder à uma demanda emergente por uma visão mais holística sobre o papel da estratégia e da definição do escopo nos benefícios do projeto.
Logo, o RIBA Client Conversations – Insights into Successful Projects Outcomes (2013), um benchmarking realizado junto a clientes cujos projetos se destacaram pelo emprego das ferramentas do RIBA Plan of Work 2013, afirma que neste estágio “definir o business case é fundamental para o entendimento e o desenvolvimento dos benefícios do projeto”. O RIBA Plan of Work 2013 sugere ainda que o envolvimento da equipe de projeto e especialistas já no estágio 0, assim como o feedback de clientes e de outros projetos é determinante para o sucesso do projeto.
Segundo o RIBA Client Conversations (2013), “identificar as necessídades dos usuários e stakeholders durante o desenvolvimento do Business Case e do Strategic Brief para o projeto é essencial”.
Ainda quando tratamos dos novos tópicos incluídos na versão 2013 do Plan of Work, precisamos analisar o valor que o novo estágio 7 – In Use – agrega ao processo. Mais do que a finalização do projeto e recebimento do produto por parte do cliente, o estágio 7 prevê o acompanhamento da operação e a validação dos benefícios esperados. O RIBA Plan of Work 2013 define este estágio como a conclusão das atividades de Handover e a revisão da performance e dos benefícios do projeto. Como já mencionado, estes benefícios são estrategicamente definidos no estágio 0 e o feedback do cliente é fundamental para a identificação de gaps no planejamento e na definição do escopo, alimentando as lições aprendidas para futuros projetos, conforme representado na figura 08 abaixo:
Figura 08. Ciclo contínuo de melhoria. Fonte: Adaptado de RIBA Clients Conversations, 2013, pg.22
Logo, de todo o acervo conceitual apresentado até o momento sobre FEL e RIBA, percebe-se que ambos estão estritamente atrelados à definição de escopo, quando reforça-se a integração das equipes e a participação conjunta entre equipe de projeto e clientes já na definição estratégica, e à garantia da qualidade, quando o processo está devidamente dividio em gate e estágios subsequentes interdependentes, que tem por objetivo garantir que os entregáveis de cada estágio estejam exaustivamente revisados e definidos antes de prosseguir no processo, Além disso, vale destacar a contribuição das metodologias citadas no levantamento e armazenamento dos feedbacks dos clientes, bem como na avaliação dos benefícios do projeto em busca de falhas no processo e lições aprendidas que virão a contribuir nas discussões estratégicas de projetos semelhantes no futuro.
A visão do PMI sobre Definição Estratégica
Inicialmente, vale mencionar que o guia PMBOK (PMI, 2014), até a sua 5º edição, faz pouca referência a análise do negócio e à definição estratégica, focando a sua abordagem nas metodologias e processos de gestão do projeto, já previamente definido de acordo com os objetivos estratégicos da companhia ou entidade.
Entretanto, buscando preencher esta lacuna, o Business Analysis for Practicioners: A Practical Guide (PMI, 2015) descreve a análise de negócio como um meio de realizar os benefícios esperados dos projetos e programas, quando devidamente aplicada. Segundo o PMI, dentre os benefícios esperados estão:
- preenchimento das expectativas dos stakeholders a partir da produção de requerimentos de alta qualidade na fase inicial;
- Engajamento maior dos Stakeholders no processo e maior envolvimento;
- Maior probabilidade de entrega do projeto no prazo e custo, cumprindo todo o escopo;
- Solução implementadas focadas no valor do negócio e nas necessidades dos stakeholders;
- Lições aprendidas para futuros projetos.(PMI, 2015, p.01-02)
O PMI, entretanto, entende que a disciplina de Business Analysis se torna cada vez mais importante num ambiente ainda mais complexo e globalizado, as empresas mais proativas no mapeamento dos requisitos podem aumentar sua vantagem competitiva e entregar projetos com maior valor agregado. A figura 09 abaixo apresenta dados da performance de projetos divulgados pelo PMI:
Figura 09. Performance de projetos em 2014. Fonte: Adaptado de PMI (2015)
Complementando, a figura 10 abaixo ilustra o impacto da coleta inadequada de requisitos como causa do insucesso dos projetos no mesmo período:
Figura 10. Project Failure Causes. Fonte: Adaptada de PMI (2015)
Ainda de acordo com o PMI (2015), a disciplina de Business Analysis contemplas as atividades desenvolvidas no intervalo entre o momento da identificação das necessidades de negócios até a implementação da solução. Neste intervalo são implementadas uma séria de atividades denominadas “Supporting Tasks”, dentre as quais, segundo o PMI (2015), se enquadram: “Identificar de problemas e análise de oportunidades, entendimento do ambiente, do contexto e das restrições do negócio, análise e avaliação dos requisitos e avaliação das soluções”.
No que tange à delimitação de atuação entre profissionais de BA e gerentes de projetos, o PMI (2015) reconhece o potencial de benefícios que a interoperabilidade entre as duas funções poderia gerar, mas admite, porém, que este relacionamento ainda não se tornou uma realidade, convergindo em um abismo na atuação entre os dois profissionais e uma descontinuidade entre o mapeamento das necessidades do negócio de um lado e as prioridades e resultados do projeto de outro.
Este antagonismo fica ainda mais latente na passagem abaixo (PMI, 2015, pg 06-07):
Confusion exists between project managers and business analysts, because there is a perceived overlap of the work that each is responsible for performing.
The responsibility for defining requirements should be assigned to resources that have sufficient business subject matter expertise and decision-making authority.(…)The project manager is accountable for ensuring that requirements-related work is accounted for in the project management plan and that requirements-related activities are performed on time and within budget and deliver value.
Do ponto de vista do PMI (2015), a análise de negócio é um processo ciclico e que, durante o progresso do projeto, na ocorrência de fatores externos que influenciam ou impactam o projeto, a avaliação das estratégias e decisões deverá ser revista de forma a garantir que ainda estejam validas.
A figura 11 ilustra com detalhes o conceito acima e apresenta as seções do ciclo de condução da Análise de Negócios, segundo a metodologia PMI:
Figura 11. Seções da Análise de Negócios PMI. Fonte: Adaptado de PMI (2015).
Das 5 seções apresentadas, duas áreas de conhecimento evidenciam-se, ainda que sucintamente, colocando-se como fundamentais para todo o processo. São elas Qualidade e Escopo.
Tanto na primeira (Need Assessments) como na última seção do ciclo (Solution Evaluation), o conceito embutido de Improvement está presente, caracterizando uma preocupação maior com a qualidade. Na primeira seção o foco é entender o contexto, ameaças e oportunidades para definição da análise de negócio. Já na última seção, com base nestas informações já disponíveis, avalia-se a solução obtida e o seu alinhamento com a estratégia inicialmente delineada.
Paralelamente, as demais seções do ciclo (Business Analysis Planning; Requirements Elicitation and Analysis; Traceability and Monitoring) são claramente inclinadas ao trabalho de coleta, avaliação, classificação e monitoramento de requisitos, com efeito, fundamentais para a definição do escopo do projeto.
Em suma, percebe-se, na análise de negócios oferecida pelo PMI (2015), que o processo é altamente iterativo, possibilitando um natural envolvimento entre diferentes stakeholders, em especial o analista de negócios e o gerente de projetos. Entretanto, a natureza cíclica pode representar maiores riscos e uma maior complexidade no que se refere à constante ameaça de mudança nos requisitos com o consequente não atingimento das estratégias e objetivos previamente definidos.
Análise Comparativa – RIBA, FEL e PMI/BA
Vimos, nos parágrafos acima 3 diferentes abordagens sobre a metodologia de Análise de Negócios em ambientes projetizados. Logo, numa análise mais aprofundada, 2 tópicos comparativos tornem-se mais latentes:
- Abordagem centrada no sequenciamento ou na iteratividade;
- O papel do recurso “Gerente de Projetos”
Comparam-se as abordagens e destacam-se os aspectos sequenciais e iterativos. No RIBA e no FEL, o conceito de fases sequenciais e portões está muito bem definido, enquanto no PMI (2015), Business Analysis constitui-se de um conjunto de atividades desenvolvidas de forma iterativa ao longo do ciclo de vida do projeto.
Há de se destacar, entretanto, que o PMBOK (PMI, 2014) considera o Business Case uma das entradas do processo Desenvolver o Termo de Abertura do Projeto, conforme figura 12 a seguir:
Figura 12. Processo “Desenvolver o Termo de Abertura do Projeto”. Fonte: Adaptado do PMBOK (PMI, 2014).
A figura 13 abaixo reforça a comparação entre as diferentes abordagens. Na abordagem PMI/BA, quando analisada sob a ótica do ciclo de vida preditivo do projeto, onde os produtos e entregas são detalhados no início do projeto, ressalta-se ainda mais a iteratividade da metodologia e o risco para o projeto e a geração de valor esperada, principalmente devido às indefinições ao longo do caminho.
Por outro lado, quando analisada sob a ótica dos ciclos de vida iterativos ou incrementais, onde os requisitos do projeto e seus produtos são naturalmente detalhados ao longo das fases de desenvolvimento do projeto, a abaordagem PMI/BA apresenta-se ainda mais eficiente se completamente revisitada repetidamente a cada fase nova iniciada.
Figura 13. Comparação entre FEL, RIBA e PMI/BA. Fonte: Adaptado pelo autor.
Da mesma forma, a atuação do Gerente de Projetos nas etapas de Business Analysis não é unanimidade das 03 abordagens, sendo mais comum e até memso natural no FEL e RIBA, e ainda um desafio no PMI/BA. Este desafio, segundo o PMI/BA se intensifica devido ao ainda desconhecimento das organizações sobre as especificidades dos papéis de gerentes de projetos e Business Analysts, conforme passagem abaixo (PMI, 2015, p.6):
Yet the relationship between project managers and business analysts is not always optimally aligned and, consequently a division between the roles performing these activities occurs. Instead of building a close partnership, the roles work independently and at times at odds with one another.
Esta separação de atividades é reforçada pelo PMBOK na definição do Termo de Abertura do Projeto que, como vimos anteriormente, tem como requisito a definição de um Business Case:
O Termo de abertura do projeto é o documento emitido pelo responsável inicial ou patrocinador do projeto que autoriza formalmente a existência de um projeto e concede ao gerente do projeto a autoridade (Grifo nosso) para aplicar os recursos organizacionais nas atividades do projeto. (PMI, 2014, p71)
Estudo de Caso
Arena do Futuro no Parque Olímpico Rio 2016
A “Arena do Futuro” foi palco das competições de Handebol e Goaball durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, respectivamente. A concepção do projeto utilizou-se do discurso estratégico adotado como plano de fundo para os Jogos como um todo: Sustentabilidade. O planejamento para concepção, execução e operação da “Arena” previa a posterior desmontagem de toda a estrutura com reaproveitamento dos seus componentes para a construção de 04 escolas-padrão de ensino fundamental no município.
No Plano de Trabalho-Descrição do Projeto (PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, 2013), a justificativa do projeto se enquadra no Plano de Gestão de Sustentabilidade estabelecido para os Jogos, conforme trecho abaixo:
Sustentabilidade do Sistema: Integrado ao Plano de Gestão de Sustentabilidade estabelecido para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, o projeto e obra do Centro Olímpico de Handebol seguem os compromissos de Sustentabilidade gerais firmados em dossiê de candidatura. De forma resumida, todos os projetos e obras devem racionalizar operações de transporte e logística; utilizar-se de padrões de desenho e construção sustentáveis; otimizar obras de infraestrutura visando ao legado;(…)reduzir a geração de resíduos;(…) utilizar-se de cadeia de suprimentos sustentável;(…) (PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, 2013,
p 3)
Projetada para ser utilizada durante um período de 25 dias, destes 16 durante os Jogos Olímpicos e 09 durante os Jogos Paralímpicos, a arena teve um custo de execução de R$ 178.038.668,67 [3]. O projeto contemplava uma capacidade total de 12 mil espectadores e os assentos deveriam ser alugados.
Em 2013, ainda no período de assinatura do contrato (Nível de Maturidade 4) para execução da “Arena do Futuro”, a Matriz de Responsabilidades (APO, 2014) previa, no escopo do contrato, a construção, manutenção e desmontagem da Arena, conforme figura 14:
Figura 14. Matriz de Responsabilidades. Fonte: APO, 2014
Entretanto, em meio aos Jogos, em nova atualização da Matriz de agosto de 2016, o item BR.07 é mostrado com nível de maturidade 5 (Obra concluída ou serviço disponível), indicando que a instalação ainda não poderia ser considerada um projeto “entregue” (Nível de maturidade 6).
Em se tratando de um exemplar da chamada “arquitetura nômade”, concebida em resposta ao Plano de Sustentabilidade dos Jogos, o sucesso do projeto depende invariavelmente dos benefícios diretos e indiretos decorrentes da desmontagem e reconstrução dos seus componentes na construção das escolas, conforme previsto.
Segundo Dantas (2016), o arquiteto responsável pela ‘Arena”, reforça o argumento acima, sugerindo que o termo “Arquitetura Nômade” define, não um projeto efêmero, temporário, mas sim um projeto mutável cujo ciclo de vida se encerra apenas quando finalizada a mutação prevista:
Para mim, o projeto só estará realmente concluído quando se transformar nas quatro escolas – Gustavo Martins/Oficina de Arquitetos (DANTAS, 2016)
Entretanto, vencido o prazo estipulado na Matriz de Responsabilidades para desmontagem do equipamento em questão (2º Trim/2017), são debatidas novas idèias de usos para a estrutura, ainda de pé. Dentre elas, a demontagem, transporte e posterior remontagem em outro Estado, com vistas a manter o seu uso esportivo, o que poderá representar um sucesso do ponto de vista da gestão esportiva, mas um fracaso do ponto de vista estratégico.
Arena do Futuro – Alternativas Estratégicas para Decisão sobre sua Implementação
Conforme já discutido nos parágrafos anteriores, a decisão pela construção da Arena do Futuro estava devidamente alinhada com a estratégia de reutilização posterior da estrutura e sustentabilidade. O documento Cities Alive – Rethinking Legacy for Host Cities (ARUP, 2017), entretanto, sugere um novo ângulo de análise perante os critérios elencados. De acordo com o documento, a discussão, no contexto da implementação de projetos de equipamentos esportivos em megaeventos esportivos, aponta para duas novas vertentes:
- A sustentabilidade como questionamento sobre a possibilidade de utilização e adaptação de equipamentos já existentes;
- A construção de novos equipamentos considerando estruturas temporárias e de menor capacidade.
Embora pensada para ter sua estrutura reutilizada na construção de escolas, o que de fato representa uma preocupação com a sustentabilidade, se a decisão pela construção da Arena do Futuro fosse analisada pelo conceito dos “portões” do FEL e com base nas vertentes apontadas acima, decisões diferentes poderiam ter influenciado a decisão, conforme figura 15 abaixo:
Figura 15. Sustentabilidade como estratégia no FEL. Fonte: Adaptado pelo autor.
O ginásio Gilberto Cardoso, conhecido como Maracanãzinho possui capacidade semelhante à da Arena do Futuro, com 11.800 espectadores, suficiente para atender quase que a totalidade da demanda estratégica de 12 mil espectadores. Entretanto, o calendário das disputas deveria ser, neste caso, repensado para evitar sobreposições de disputas, já que o Maracanãzinho fora utilizado pelo mesmo período que a Arena do Futuro durante o Jogos Olímpicos, não sendo, porém, utilizado durante os Jogos Paralímpicos, conforme figura 16 abaixo:
Figura 16. Calendário de Disputas Arena do Futuro e Maracanãzinho. Fonte: Adaptado pelo autor.
Analogamente, sob a ótica da segunda vertente apresentada, relativa à redução da capacidade dos equipamentos ou a adoção de estruturas temporárias, os portões de decisão poderiam contemplar o uso de equipamentos existentes, com vocação esportiva consolidada, necessitando de pequenas adaptações. Conforme figura 17 abaixo:
Figura 17. Capacidade reduzida como estratégia no FEL. Fonte: Adaptado pelo autor.
Esta discussão acerca da redução de capacidade e uso de estruturas temporárias não é recente e foi explorada já durante os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, quando 34 instalações de competição foram previamente planejadas como temporárias, número equivalente ao somatório das instalações em mesmas condições nas 03 edições anteriores dos Jogos (Pequim, Atenas e Sydney), segundo Goh (2012). Um dos exemplos desta tendência nos jogos ingleses é a instalação de competição de volei de praia, denominada “Horse Guards Parade”. Completamente planejada e executada com estruturas temporárias, a capacidade da arena (15.000 assentos) superou a que foi utilizada na Arena do Futuro (12.000 assentos).
Por sua vez, no que tange a questão da redução da capacidade, a comparação considera, por exemplo, que a Arena do Futuro, com sua capacidade mencionada acima, quase duplicou a capacidade da instalação londrina que também abrigou o Handball durante os Jogos Olímpicos: a então denominada “Copper Box”, com seus 6.000 assentos. Importante frisar que, se mantido este parâmetro de capacidade, a opção por outro modelo de construção ou até mesmo o uso de instalações existentes poderia ter sido considerada na decisão estratégica.
Outrossim, a esfera financeira precisa ser considerada nesta decisão sobre a permanência ou efemeridade das estruturas. Neste quesito, especialistas afirmam que:
Enquanto os custos de construção para equipamenttos temporários são muito similares aqueles dos equipamentos permanentes, não existem, porém, custos de manutenção de longa duração. (GOH, 2012)
Lições Aprendidas
A análise empreendida neste artigo acerca das diversas metodologias de definição estratégica, desde a metodologia de “portões”, utilizadas tanto no FEL quanto no RIBA, cada uma com as suas particularidades, bem como a estrutura cíclica e contínua sugerida pelo PMI, deve se guiar, acima de tudo, através da implementação de dois importantes áreas de conhecimento em gerenciamento de projetos: escopo e qualidade.
Em última instância, os benefícios esperados após a definição da estratégia e implementação do projeto dependem essencialmente da definição do escopo e se este contempla os requisitos específicos que refletem as demandas estratégicas aprovadas. Esta premissa é validada no PMBOK (PMI, 2014), segundo o qual a “Descrição do escopo do produto”, juntamente com as “Necessidade do negócio” e o “Plano estratégico” é previamente considerada para criação das especificações do trabalho do projeto, uma das entradas para o processo “Desenvolver o Termo de Abertura do Projeto”.
Do mesmo modo, segundo o PMBOK (PMI,2014,p.227), o gerenciamento da qualidade “trabalha para garantir que os requisitos do projeto, incluindo os requisitos do produto, sejam cumpridos e validados”. Logo, no contexto dos Jogos Olímpicos, faz-se fundamental para o planejamento e gerenciamento da qualidade no projeto o alinhamento às entradas do processo “Planejar o gerenciamento da qualidade”, destacando a “Documentação dos requisitos” os “Fatores ambientais da empresa”, considerados os desafios inerentes aos projetos globais, como é o projeto Olímpico.
Conclusão
Em conclusão, apresentados os conceitos e estudo de caso, não pretendemos reduzir a complexidade do planejamento e gestão de um projeto complexo e tão abrangente como o projeto Olímpico, mas contribuir com a comunidade acadêmica com o desenvolvimento e aplicação dos conceitos em estudos de caso tão férteis para análise.
Em um ambiente cada vez mais cético quanto aos benefícios diretos da sua realização, é imprescindível que os projetos e programas olímpicos se voltem para a discussão sobre o Business e as estratégias de planejamento, execução e governança do legado olímpico, empregando as práticas de gerenciamento de projetos desde a definição dos objetivos, de forma a recuperar a confiança sobre o benefício para a sociedade.
Referências
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- MOORE, Mark. Criando Valor Público: gestão estratégica no Governo. Letras e Expressão, 2003.
- AUTORIDADE PÚBLICA OLÍMPICA (APO). 2014. Matriz de Responsabilidades Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. 2014. Disponível em: <http://www.apo.gov.br/index.php/matriz/atualizacao/>. Acesso em 10 Jul 2017.
- VASCONCELOS, I. M. M. & MORAES, P. P. (2010). Structuring a PMO with the help of front-end loading and the PMBOK® guide. Paper presented at PMI® Global Congress 2010—EMEA, Milan, Italy. Newtown Square, PA: Project Management Institute.
- ROMERO, F. e FFAFAFA, F.(2009). FEL-Front End Loading e LPDS-Lean Delivery Production System – Para concepção de projetos de empreendimentos. Mundo Project Management, Vol. 24, Rio de Janeiro.
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